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Oposição lamenta reforma que pune os mais pobres e não atinge privilegiados

Publicado em: 04/10/2019
 LULA MARQUES

O texto saído da votação em primeiro turno da reforma da Previdência no Senado trouxe modificações importantes ao projeto oriundo da Câmara dos Deputados. Um dos principais foi o que suprimiu a mudança do abono salarial, que hoje é pago a quem recebe até dois salários mínimos (R$ 1.996 em 2019) e deverá continuar assim. O texto da Câmara restringia o direito ao valor de R$ 1.364,43.

Antes, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado havia suprimido dispositivo que previa que a pensão por morte fosse inferior ao salário mínimo, assim como excluiu o artigo que colocava na Constituição o critério para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

“Já no plenário do Senado, depois de tantos destaques, a única coisa importante foi retirar a mudança do abono salarial, que beneficiou mais de 13 milhões de trabalhadores”, avalia a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). A parlamentar destaca que a desconstitucionalização do BPC pela CCJ daquela casa também é importante, já que, na prática, a inserção do benefício na Constituição “congelaria” o auxílio. Com a mudança, o auxílio foi retirado da Constituição Federal.

“O BPC nunca foi constitucional e continuou não sendo. Quando põe na Constituição, você o congela, até porque o salário mínimo está sendo depreciado”, explica.

Para Jandira, porém, a principal vitória da oposição veio da Câmara, com a derrubada do regime de capitalização, que o governo não conseguiu impor. “Impedimos o mal maior, que era a capitalização, que seria a destruição total da Seguridade Social. Foi a grande derrota do governo e a maior vitória da oposição.”

No Senado, a exclusão do dispositivo que reduzia o valor do abono salarial de dois salários mínimos para R$ 1.364,43, segundo cálculos da oposição, beneficiará, ou deixará de prejudicar, de 12 a 13 milhões de trabalhadores. Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, ficou furioso com a alteração, que “desidrata” a reforma em R$ 76,4 bilhões, segundo o governo. Ele declarou que para cada bilhão perdido no Senado deverá haver uma compensação com mudanças do pacto federativo.

“Isso é um absurdo. Paulo Guedes é um chantagista. Tenta fazer ameaça com o segundo turno do Senado. Isso não é papel de um ministro que serve à República. É de um chantagista que fala pelos bancos”, rebate Jandira Feghali. “É o capital financeiro incrustado no cargo de ministro da Economia.” Para a deputada, ao ameaçar governadores e estados, o ministro está, de fato, ameaçando o povo. “Ele não pode fazer chantagem com o direito do povo. Tirar dinheiro dos estados é tirar de políticas públicas.”

Na tribuna, nesta quinta-feira (3), o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que, ao aprovar o texto em primeiro turno, “o Senado acaba de referendar uma das medidas mais nocivas de todos os tempos para o trabalhador, sobretudo o de baixa renda”. A economia anunciada pelo governo e apoiadores da proposta de emenda à Constituição recairá em 80% sobre mais pobres, disse.

“A reforma será um duro golpe sobre mais de 70% dos municípios brasileiros, que vivem basicamente dos pagamentos do INSS. Legará um futuro de miséria para a população”, continuou o petista. “Felizmente, a união de senadores permitiu derrubar o fim do abono para 12 milhões de trabalhadores que recebem até dois mínimos, em cima dos quais o governo queria fazer uma economia desumana.”

Segundo turno

Senadores de oposição acusam o governo de ignorar o regimento, que prevê um “interstício” (intervalo) de cinco dias úteis ou quatro sessões de discussão entre o primeiro e o segundo turnos. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado, considera inadmissível a tentativa do Planalto e aliados.

“O regimento é claro: não é possível a votação de PEC se não cumprir o interstício. Não existe razão alguma para que nós assistamos calados a retirada de direitos dos mais pobres, e ainda ao bel prazer do atropelo das normas do regimento interno e da Constituição”, diz. “O governo tem a maioria para aprovar a reforma que penaliza os mais pobres, mas não farão atropelando o regimento. Nossa exigência será que, na semana que vem, seja cumprido o interstício. Não terá votação de reforma.”

Segundo Randolfe, se a situação insistir na estratégia, a oposição fará obstrução regimental, além de já ter apresentado questão de ordem ao final da última discussão. “O presidente da casa (Davi Alcolumbre – DEM-AP) pode muito, mas não pode tudo. Ele tem que cumprir o regimento.”

Embora tenha se declarado a favor de “quebrar” o interstício, Alcolumbre admitiu na quarta-feira que a votação do segundo turno poderá ficar para a segunda quinzena de outubro.

Além da derrubada do regime de capitalização, Jandira Feghali destaca, como vitórias importantes na Câmara dos Deputados, a redução do tempo mínimo de contribuição para as mulheres e, na transição, a previsão de 15 anos para homens.

Além disso, a Câmara impediu que o BPC ficasse abaixo de um salário mínimo, que a pensão por morte, na ausência de outra renda, fosse abaixo do salário mínimo, flexibilizou a transição para professores e os policiais, “apesar de a transição ter sido cruel para o conjunto das categorias para quem já está no mercado de trabalho”, observa a deputada.

Ela aponta ainda como vitória importante a derrota do governo em tentar mudar as regras para a aposentadoria rural, que manterá a idade mínima de 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens), e o tempo de contribuição em 15 anos para ambos os sexos.

Apesar das vitórias pontuais, o texto final “foi uma grande derrota para a sociedade”, diz Jandira. “Imprimiu para a grande massa de trabalhadores a redução de benefícios e maior dificuldade para a aposentadoria. Um massacre aos trabalhadores pobres e servidores da ponta do sistema. Não atingiu grandes privilegiados e sonegadores, colocou sobre a Seguridade, patrimônio da sociedade, uma solução da economia que não está na Previdência, mas na própria economia.”

Para Jandira, prova de que o capital financeiro foi o grande beneficiado é o fato de que, logo após o segundo turno da Câmara, os bancos tenham lançado planos de seguro populares. “Essa agenda é dos bancos, das seguradoras, dos grandes grupos de investimento. Não tem nada a ver com geração de empregos e investimento público. Essa vitória não é da sociedade, não é nem do governo, mas do capital financeiro. Mas o que eles mais queriam era o regime de capitalização, e nisso não tiveram a vitória, até aqui.”

Para ela, essa vitória foi da oposição e da mobilização possível. “Mas a mobilização ficou muito pequena na fase do Senado. Mesmo assim, algumas mexidas os senadores conquistaram.”

Fonte: RBA

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