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As ruas de São Paulo viram o cinza ser substituído pelo lilás da luta feminista nesse sábado (31). Da Avenida Paulista à Praça da República, mais de 5 mil mulheres de diferentes etnias e nacionalidades seguiram em passeata para mostrar que não estavam ali para brincadeira, e sim para lutar, como bem definiu a agricultora e professora piauiense Isaudira Celestino.
“Somos capazes e podemos ocupar qualquer cargo, em qualquer lugar”, definiu ela, que deixou o filho sob cuidados do marido e viajou 30 horas de ônibus para participar do 9º Encontro da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), na capital paulista.
A passeata marcou o encerramento do evento que, desde o último domingo (25), reuniu 1.600 militantes de 50 países e de todos os estados brasileiros no Memorial da América Latina, onde discutiram estratégias conjuntas de combate à opressão, ao capitalismo e ao patriarcado.
Como Isadora, outras 600 mulheres dormiram sobre colchonetes em um clube na zona Norte de São Paulo. Nada, porém, capaz de diminuir a disposição para a batalha. “Nós já estamos acostumadas com isso”, comentou com entusiasmo.
Revolucionárias na vida – Feministas, lésbicas, com deficiência, brasileiras e estrangeiras. Ou além dessas definições. Cada qual com sua história, mas todas, de alguma maneira, revolucionárias, não apenas na marcha, mas também na vida.
A educadora paulistana Cristiane Moscou, da Frente Nacional Mulheres do Hip Hop, levou a filha, Dora Madiba, de 3 anos, para participar da mobilização, mas acompanhou o encontro internacional pela internet. Não tinha com quem deixar a menina. Da mesma forma que muitas outras brasileiras, também faz malabarismo para exercer os papéis de mãe solteira e trabalhadora, sem deixar a militância de lado.
“Ela está na fila da creche, era quinta, mas, há dois meses, foi para 19º lugar. Então, quando tenho que sair, ela vai comigo, se puder, ou tenho que contar com uma rede de apoio: vô, vó, padrinho, madrinha, uma amiga próxima. O pai dela é ausente, como acontece na maioria dos casos, não soma na igualdade. A responsabilidade pelos cuidados familiares ainda é nossa.”
Simone Araújo deixou Sorocaba, cidade do interior de São Paulo, para participar com as duas filhas, pela primeira vez, de uma marcha de mulheres. Com o braço repleto de tatuagens, entre elas, uma frase de Simone de Beavouir, que diz “não se nasce mulher, torna-se mulher”, a dona de casa defende o diálogo franco dentro do lar como passo fundamental para conquistar a igualdade.
“Meu marido respeita minha posição feminista, tanto é que eu estou aqui e ele ficou em casa trabalhando”, fala sobre o esposo tatuador.
Ao seu lado, a filha Júlia Araújo, de 14 anos, comentou que muitos amigos a consideram ‘estranha’ por criticar a exploração do corpo da mulher. “Estou achando maravilhoso estar aqui, porque tem muita gente que concorda com o que penso. O tratamento para as meninas e meninos é sempre diferente e as pessoas acham que sou esquisita, porque não acredito que machismo é só a mulher ficar em casa lavando louça. Está em todo lugar, toda novela traz isso”, falou.
Movimento sindical precisa mudar – Diretora Executiva da CUT, Rosana de Deus afirma que a discriminação se apresenta de diferentes formas e cita como exemplo a própria organização do movimento sindical. “É uma dificuldade aliar o trabalho na direção aos horários para estudar, cuidar da casa, dos filhos. Ainda é um ambiente organizado só para os homens, pelo horário em que fazem reuniões, pela forma como está estruturado. Essa marcha é um dos momentos em que podemos mostrar que temos capacidade para mudar essa realidade.”
Secretária de Comunicação e Imprensa da CUT-SP, Adriana Magalhães, acredita que a atual geração de mulheres já vive sob outro patamar na relação entre gêneros. Porém, ainda assim, pensa ser necessário lutar para ter acesso aos espaços de poder. “As meninas de 20 anos hoje tem muito mais autonomia sobre seu corpo, não vivem em um mundo romanceado, mas real, em que precisamos nos impor para sermos respeitadas. E o meio sindical não é diferente.”
Transformar em casa – Rosana acredita que o processo de transformação começa pela família, primeiro, conscientizando sobre a importância da luta e, depois, na briga cotidiana para transformar os corações e mentes de quem está próximo, inclusive os homens.
Em muitos casos, isso inclui enfrentar o preconceito que chega em dobro, quando o machismo está aliado ao racismo. “Eu era casada com um companheiro branco e, certa vez, parei num posto de gasolina para colocar combustível e ele estava do lado do passageiro. Na hora de pagar, o frentista deu a volta e foi cobrar dele. Ainda prevalece a ideia de que o negro é subalterno”, criticou.
Elas não estão na TV – Adriana defende ainda a necessidade de modificar a forma como os meios de comunicação mostram as mulheres no país.
“Não me sinto representada pela TV, como as mães também não se sentem, as negras, as trabalhadoras. Primeiro, porque sou baixinha, segundo porque sou gordinha e as gordinhas são sempre ridicularizadas. O biótipo que vemos é de uma mulher loira, magra, esguia, maquiada o tempo todo e essa não é a realidade da trabalhadora. A mídia acaba reforçando estereótipos e preconceitos”, criticou.
Membro do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo, a bancária e cadeirante Marli dos Santos falou sobre a importância de as mulheres tomarem consciência da necessidade de lutar e se empoderar.
“A mulher com deficiência era vista como coitadinha, sofria com a discriminação dentro da própria casa, na escola e no trabalho. Hoje em dia está mudando, mas a situação está longe de ser resolvida. Se entrar, por exemplo, como telemarketing num banco, dificilmente deixará o cargo. Mas ainda vemos muitas meninas novinhas que são violentadas, às vezes pelo próprio pai, e acabam não denunciando, porque, pensam que, apesar disso, ele cuida bem dela. É preciso que tenham com quem contar para fugir disso”, apontou.
Quem disse que Deus é homem? Raquel Catalani trazia nas costas um cartaz onde se lia: “evangélica, feminista e goxtosa.” Características incompatíveis? Nada disso, explica a teóloga, que cita a urgência de resgatar os princípios do cristianismo nas religiões.
“Precisamos desconstruir a religião que foi se estabelecendo a partir de normas machistas, de imaginários de Deus que tem oprimido as mulheres há tantos anos e legitimado o preconceito. Quem disse que Deus é homem? Eu quero repensar minha religião, porque o cristianismo é revolucionário, é pelos pobres, pelos oprimidos e nisso está a mulher.”
Muda o país, mas o sotaque continua – Já era noite,quando a marcha chegou à Praça da República, onde o ato de encerramento simbolizou também a transferência do secretariado internacional da MMM do Brasil para Moçambique. Mudou o país, mas o idioma até 2019 continuará sendo o português.
Até então coordenadora internacional, Miriam Nobre, afirmou que o encontro em São Paulo tirou como prioridades construir alternativas às formas de apropriação da natureza, dos direitos das trabalhadoras e à militarização. “O principal desafio é ser mais forte do que o conservadorismo, as empresas transnacionais e o imperialismo.”
Em seu lugar, assume a moçambicana Graça Samo, para quem o compromisso é defender a autonomia das mulheres. “A luta maior é para trazer à prática o bem-estar e a autonomia, para fazer com que o sistema permita às mulheres ascenderem aos espaços de discussão. O que nos unifica é o combate ao machismo, capitalismo, patriarcado, às desigualdades e discriminação.”
Fonte: CUT Nacional
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